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Leia entrevista de Paulo Pasin sobre a campanha da PR, em SP

19.10.12 São Paulo

Metroviários: Mobilização da categoria enfrenta intransigência do PSDB

16 de outubro de 2012
INTERSINDICAL

“Quem é responsável direto no funcionamento do sistema recebe uma PR muito aquém da sua real participação nos resultados do Metrô”, afirma Pasin, presidente da Fenametro

Desde o último 15 de setembro os metroviários estão em estado de greve. A crise já se arrasta desde o fim do primeiro semestre quando, por determinação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), o Metrô conseguiu suspender a greve que aconteceria em 23 de maio com a condição de que apresentasse, em até 120 dias, uma proposta para resolver o problema de linearidade na Participação dos Resultados (PR).

Paulo Pasin, presidente da Fenametro (Federação Nacional dos Metroviários) e Secretário Geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, explica que “desde 2007 o Metrô paga uma parte fixa e outra proporcional ao salário”. Porém, por conta dessa diferença de ordem hierárquica, quem tem maior salário consequentemente acaba recebendo uma PR maior. “Já quem é responsável direto no funcionamento do sistema recebe uma PR muito aquém da sua real participação nos resultados do Metrô”, analisa. Ele recorda que em maio foi firmado um acordo, em que se formaria uma comissão para definir a forma de distribuição da PR, no entanto, na primeira rodada de negociação o Metrô manteve a regra anterior e ainda alterou a data de pagamento para abril. Além de terem criado uma categoria diferenciada para o Presidente, Assessor do Presidente e para a alta cúpula do Metrô que já sustentam elevados salários.

Negociações como estas, afirma Pasin, “evidenciam a forma como o PSDB busca sempre privilegiar seus indicados e os altos cargos em detrimento de quem realmente transporta o usuário”. Ele ressalta que, caso a greve se concretize, talvez este seja um dos principais motivos que está motivando a categoria e nesse sentido é importante que a população compreenda o modo como os trabalhadores estão sendo tratados por parte do governo.

Neste segundo momento, após os metroviários decretarem novamente estado de greve, programando-a para 4 de outubro, mais uma vez o TRT solicitou que se prorrogasse a data da paralisação. Demonstrando uma real preocupação com a população – ao contrário do que as grandes mídias tentam transmitir –, os metroviários concordaram em adiá-la para o próximo dia 24.

Desta forma, um novo calendário já está sendo cumprido na tentativa de que os usuários possam ter uma completa compreensão dos objetivos e fundamentos desta greve. A partir desta segunda (15) os funcionários passaram a utilizar adesivos; coletes no dia 18; e não irão atuar uniformizados nos dias 22 e 23. Além destas ações que visam chamar atenção da população, uma carta aberta já está sendo distribuída desde a última terça-feira (09). [clique aqui para acessá-la]

Em entrevista à INTERSINDICAL, Pasin fala sobre a atual situação de greve, impasse que perpassa o abandono histórico pelo qual o Metrô e o transporte sobre trilhos passam no Brasil; abusos do governo do estado, como solicitar ação da Polícia Militar contra os metroviários, em caso de estes aderirem à alternativa de catraca livre; precarização no trabalho dos metroviários; e a campanha de 2% do PIB para o sistema de metrôs e trens.

 

INTERSINDICAL – Considerando como a campanha está sendo conduzida este ano, já com um acordo entre Metrô e TRT descumprida, qual o balanço que você faz deste atual estado de greve?

PAULO PASIN – Até o dia 3, data da última assembleia, aconteceu outra negociação em que o Metrô assumiu o compromisso de enviar uma nova proposta. Ocorre que, de maneira desrespeitosa com a categoria, depois disso, eles enviaram uma carta não confirmando a proposta. Isso mostra como o PSDB se relaciona com o movimento sindical e popular.

Apesar disso, um dado que coloca para a gente uma expectativa de negociação é a própria mobilização da categoria. Agora nós estamos negociando algo que já estava firmado no acordo que fizemos no dia 23 de maio. Não estamos pedindo nada de novo, estamos pedindo somente tudo que estava dentro daquilo que foi negociado.

 

A Justiça do Trabalho determina que a categoria mantenha um percentual de 100% do pessoal trabalhando durante as greves, nos horários de pico, e 85% nos demais. Você considera que esta determinação se configura como um cerceamento ao direito de greve?

O governo pede e em geral o Ministério Público também pede e a Justiça do Trabalho acaba deferindo a liminar em favor desta decisão. Isso é evidentemente um cerceamento ao direito de greve. O direito de greve implica na paralisação do sistema. Acontece que, a Constituição brasileira permite exercer o direito de greve, mas uma lei de 1989, do então presidente José Sarney, criou a de Lei de Greve, que na verdade é uma lei anti-greve, pois dá à Justiça do Trabalho o direito de impedir a greve.

 

Como o Governo do Estado tem reagido frente à alternativa de manifestação para liberar as catracas que vocês estão sugerindo desde o primeiro semestre?

Entendemos que é um direito do usuário se locomover por São Paulo. Sem problemas, a gente transporta o usuário, mas liberamos as catracas. Porém, o Governo do Estado tem reagido com mais dureza ainda em relação a esta proposta. Na última greve, o governo decretou que, além de ter 100% dos trens em operação, que também tivesse a presença da Polícia Militar nas linhas de bloqueio das estações do Metrô, com autorização para prender qualquer metroviário sindicalista, para impedir que eventualmente a gente liberasse as catracas.

Se a preocupação é o usuário, vamos estabelecer de comum acordo que tudo irá funcionar, mas com o bloqueio liberado. Até porque, em dia de greve, o Metrô não tem nenhum argumento financeiro, já que eles podem acionar o PAESE (Plano de Atendimento entre Empresas de Transporte em Situação de Emergência), que permite à população se transportar de ônibus gratuitamente quando há problemas de circulação de trem. Se o gasto do estado, quando há qualquer tipo de problema emergencial no Metrô, se destina ao sistema PAESE, porque não transportarmos os usuários no próprio Metrô?

 

Os metroviários fazem muitas horas extras e uma das demandas é pela uniformização da jornada de 36h semanais para a operação. Em que medida esse excesso de trabalho incumbido aos funcionários pode prejudicar os usuários do metrô?

Todas as estatísticas demonstram que boa parte dos acidentes de trabalho ocorrem com trabalhadores que acumulam excesso de horas extras. Isso acarreta no adoecimento do trabalhador e uma série de coisas, que faz com que o próprio sistema acabe operando com menos trabalhadores. Não há possibilidades de se manter um sistema funcionando com funcionários que fazem horas extras permanentes. Elas afetam diretamente a saúde do trabalhador, a vida familiar dele, seu estado emocional. A consequência acaba sendo a diminuição de trabalhadores, pois aquele funcionário que deveria estar trabalhando está afastado, com doença ocupacional, com stress nas relações, está operando um sistema com muita complexidade tecnológica. Logo, eventualmente um acidente pode acabar ocorrendo.

Do ponto de vista da demanda dos usuários, nós temos que ter uma escala de trabalho condizente com o trabalho que exercemos. Quando o Metrô estabeleceu as escalas de trabalho, não levou em consideração que São Paulo é uma das maiores metrópoles do mundo. Antigamente, aos finais de semana, podia se escalar menos funcionários. Hoje não há mais condição de ser assim. O movimento aos sábados e domingos é quase igual aos dias úteis.

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O que nós pedimos? Que se monte as escalas de 36h semanais, para que se atenda o rodízio de trabalhadores e se atenda aos finais de semana descentemente.

 

Hoje o metrô conta com cerca de 8600 funcionários. Este é número baixo para um bom funcionamento do sistema metroviário?

Não restam dúvidas. A quantidade de usuários que nós transportamos por dia é equivalente a quase dois Uruguais, ou seja, quase cinco milhões de pessoas diariamente. Numa atividade que envolve atendimento a tantas pessoas você tem de montar esquemas de plataforma nos horários de pico, por exemplo, para permitir o embarque e desembarque o mais rápido possível com segurança. É uma reação em cadeia, que se não funcionar, você vai atrasando todo o sistema, então tem de ter operadores. O Metrô está expandindo as linhas e quanto mais se expande, mais gente se tem de admitir dentro desse sistema.

Em nossa categoria temos muito acúmulo de experiência e uma relação muito profissional com a empresa. Os funcionários ficam muitos anos no Metrô. Com isso, a média de idade destes trabalhadores é um pouco avançada, assim como tem muitos companheiros que estão se aposentando e precisam deixar a empresa. Logo, aquele posto precisa ser substituído e num sistema complexo, como o do Metrô, você não faz isso do dia para a noite. Tem de haver uma capacitação do pessoal, tem de fazer treinamento, tem de haver tempo suficiente para os treinamentos. Não é fácil se operar um trem que transporta 11 pessoas por metro quadrado. Em caso de qualquer falha a responsabilidade é muito grande.

 

Há alguma possibilidade de o modelo da Linha-4 Amarela, em que não há trabalhadores operando os trens, culminar com a diminuição gradativa de trabalhadores em operação ou, talvez, um aumento da terceirização?

Aumentar a terceirização já é uma realidade. Atualmente temos praticamente a relação de 1×1 (um trabalhador terceirizado para um concursado). Há um exemplo concreto disso: uma empresa quarterizada, a Façon (empresa de tecnologia terceirizada da Alstom, que por sua vez é terceirizada do Metrô), acaba de falir e mais de 200 companheiros ficaram sem receber. Ela não depositava FGTS, INSS e o pessoal foi pego de surpresa, já com dois meses de salário atrasado. Eles procuraram o Sindicato dos Metroviários e, por termos uma visão de classe, pois consideramos que todos que trabalham no Metrô são metroviários, independente de ser concursado ou não, fizemos uma mobilização conjunta e conseguimos que a Alstom assumisse a responsabilidade de, no mínimo, pagar os direitos destes companheiros.

Esta já é uma situação extrema. A terceirização está avançando e em algumas áreas da manutenção e determinadas atividades, que antes eram executadas por concursados, já está sendo operada por terceirizados.

Com relação à questão de operar trens sem o operador, esta é uma irresponsabilidade do Governo do Estado. O nosso sistema metroviário é baseado num conceito de segurança muito parecido com o da aeronáutica. Ou seja, todos os equipamentos têm redundância, têm falha segura, que é quando o sistema tem alguma dúvida do que está acontecendo, ele considera a condição mais segura. Por isso o Metrô nunca teve choque de trens, o primeiro aconteceu em maio deste ano e este caso aconteceu da seguinte forma: o trem que deveria ter recebido o “Código 0”, ou seja, freado, mas no momento em que ele deveria receber este sinal, ele entendeu que tinha de acelerar. Nós só não tivemos uma tragédia porque foi um operador de trem que percebeu o erro e aplicou a emergência.

Alguns podem argumentar que estatisticamente a possibilidade de erro é muito pequena, mas um dia ela pode acontecer, pois se trata de um equipamento eletrônico. Se isso acontecer na Linha-4 Amarela, você não tem o operador para poder aplicar a emergência.

A prova que o Governo do Estado sabe o risco que está colocando o usuário, e esta é uma batalha ideológica, é que para tentar demonstrar modernidade à população e tentar descaracterizar a importância do trabalho humano, em outubro do ano passado a Linha-4 ficou parada quase a manhã inteira, pois eles detectaram uma possível falha no Sistema de Circulação de trens. Mas isso aconteceu antes de eles entrarem em operação comercial. Agora você imagina se isso ocorre com os trens já em operação comercial e com usuários.

 

Uma das lutas da Fenametro é pelo investimento de 2% do PIB para o sistema de metrôs e trens. Em que a destinação desta verba poderia contribuir para melhorar o sistema de transporte sobre trilhos?

O objetivo da campanha, frente à necessidade que se coloca no país, é inverter totalmente a lógica do sistema de transporte atual – tanto de passageiros, quanto de cargas. Na década de 1950, boa parte do transporte de cargas e pessoas era feito sobre trilhos. Com a pressão das indústrias automobilísticas e petrolíferas, o Brasil acabou optando por um modelo parecido com o dos Estados Unidos, em que se privilegiam as rodovias. Isso significou praticamente a destruição de toda a malha ferroviária, o que obviamente afetou o transporte de passageiros.

Neste período todos os investimentos foram baseados em uma ideologia de que cada brasileiro deve sonhar em ter seu carro, em detrimento do transporte público em geral, especialmente sobre trilhos. Assim, chegamos a um colapso na cidade. Pode se ampliar a marginal, construir viaduto, enquanto o número de carros continuar explodindo nada vai resolver. Em agosto o Brasil bateu o recorde de venda de carros – 400 mil emplacados –, imagine o impacto disso numa cidade já congestionada como São Paulo. Esse diagnóstico todos do governo têm, porém, no momento em que são oferecidas alternativas prevalece a luta capitalista dos diversos setores. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, está fazendo um lobby pesado pelo BRT (Bus Rapid Transit, ou Transporte Rápido por Ônibus), porque atende às montadoras de ônibus. Então há um choque dos interesses do capital e cada vez mais está se agravando a situação.

Não existe saída para transporte de massa de grande capacidade sem trens e metrô. Enquanto não houver um investimento de peso nos transportes de grande capacidade, não haverá outra solução. Pode ser que daqui a algum tempo percebamos que 2% do PIB é pouco, mas o sentido da nossa campanha hoje já é mais do que os governos têm investido sistematicamente. Os governos até agora têm investiu no máximo 0,78% e até o início deste ano somente 10% da verba foi investida.

O outro objetivo desta campanha é para que este dinheiro seja investido em Metrô e trens públicos e estatais. O que está acontecendo no país hoje é uma privatização generalizada sobre a forma de parceria público-privada, que é uma forma de o estado subsidiar a iniciativa privada. Isso tem uma consequência grande para o usuário na tarifa. Numa comparação, nos Metrôs do Rio de Janeiro, que são privatizados, a tarifa é R$ 3,20. Somando com os trens, já são R$ 4,95. Diferente de São Paulo, lá não existe transferência gratuita. Imagine o quanto um morador das zonas mais distantes do Rio gasta para se locomover para o trabalho.